Ana Fontes

É empreendedora social e fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora). Vice-presidente do Conselho do Pacto Global da ONU Brasil e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República

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Ana Fontes
Descrição de chapéu Todas

O surto das tradwives

Depois de tantos anos de luta, parece um retrocesso ver mulheres se colocando novamente nesse papel

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Os debates sobre feminismo, empoderamento, equidade de gênero e salarial e acesso às mesmas oportunidades no mercado de trabalho permeiam diversos grupos de mulheres. Não mais nos calamos diante das desigualdades e cada vez mais nos unimos para combater esse cenário.

Porém, coincidentemente ou não, surgem ondas que vão contra a maré, do que a sociedade vem discutindo nos últimos tempos, e as tradwives é um claro exemplo disso. Enquanto lutamos todos os dias para trazer igualdade em todos os âmbitos para elas, no TikTok uma nova trend tem se espalhado entre as usuárias. Numa tradução livre, as tradwives são as mulheres tradicionais, ou seja, elas vivem em função de/para seus companheiros, cozinhando, lavando, passando e gerando filhos para eles.

As mulheres presentes na trend mostram o seu dia a dia sendo uma dona do lar. Muitas se orgulham e dizem que estão mais felizes com a nova vida do que quando eram independentes, trabalhavam fora e tinham as próprias carreiras profissionais. Depois de tantos anos de luta e ainda batalhando para mudar a sociedade machista, parece um retrocesso ver mulheres se colocando novamente nesse papel, sendo submissas e totalmente dependentes — inclusive financeiramente— de seus parceiros.

A imagem mostra uma mulher e duas crianças cozinhando juntas em uma cozinha bem iluminada. A mulher está mexendo numa panela no fogão enquanto as crianças observam com entusiasmo. Há vários ingredientes frescos, como pimentões, cogumelos e tomates, sobre a bancada. Uma frigideira com legumes também está no fogão.
Numa tradução livre, as tradwives são as mulheres tradicionais, ou seja, elas vivem em função de/para seus companheiros, cozinhando, lavando, passando e gerando filhos para eles - Konstantin Yuganov/Adobe Stock

Como se o cenário em si já não fosse ruim o suficiente, elas estão erradas em achar que são mulheres troféus, já que o trabalho doméstico ainda é um trabalho e do tipo não remunerado. O que quer dizer que, na prática, elas ainda continuam trabalhando, mas exercendo uma demanda invisível e não ganhando nada em troca dessas horas trabalhadas.

Não posso dizer que entendo, já que prego o oposto e tento passar a importância da independência financeira para as mulheres que me acompanham, seja por meio dos programas da Rede Mulher Empreendedora/IRME, seja por meio das palestras em que sou convidada para falar sobre autonomia econômica das mulheres.

Acredito que essa trend tem um potencial perigoso porque além de manter essas mulheres num papel submisso, sabemos que a dependência financeira em um companheiro não é nada saudável para as parceiras, principalmente porque esses homens podem usar isso para mantê-las presas em relacionamentos tóxicos que inclui, em alguns casos, agressões psicológicas e físicas.

Recordar o passado desperta uma noção gostosa de nostalgia, mas não posso dizer o mesmo sobre as tradwives. Infelizmente esse movimento só está glamourizando uma situação que definitivamente não deve ser glamourizada. Em vez de voltarmos a um passado que nos coloca e sempre nos colocou nessa posição, espero que cada vez mais mulheres lutem para conquistarem seus espaços e seus direitos na sociedade e abandonem de vez esse papel de dona de casa submissa que só traz benefícios para os homens.


Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

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